A pesquisa IBOPE Mídia 2009 (ver post anterior) aponta que 29% dos paulistas com idade entre 10 e 17 anos preferem conversar pela internet com família e amigos do que pessoalmente. Intrigado com esse dado, o Viver Online decidiu ouvir a opinião de um analista sobre o assunto.
Especialista em Tecnologias Digitais e na interação homem-computador, Alessandro é formado em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), além de game designer. “Minha empresa é a primeira desse ramo no Brasil”, afirma o psicólogo que projeta jogos para saúde.
Fonte da imagem: site ClicRBS
Viver Online: O que motiva alguns jovens preferirem conversar pela internet do que pessoalmente?
Alessandro Vieira: Internet é um ambiente dinâmico, com vários recursos de fantasia. Por exemplo, você pode ser outra pessoa, criar um fake. Ou pode falar com alguém enquanto joga videogame.
Não me surpreende que adolescentes apreciem comunicação desse tipo e declarem que a preferem. Mas uma coisa é a declaração deles para uma pesquisa, outra coisa é como de fato se sentem. E adolescentes ainda preferem estar em grupo com os seus.
VOL: Como identificar quando esse hábito se torna dependência?
AV: Não chamaria de dependência, pois internet não é droga (apesar de poder funcionar como). Na China há clínicas para tratar dependentes de internet. Como resultado, surgiram abusos como castigos físicos e até mortes de "pacientes" submetidos a eles.
Contudo, se uma pessoa passa muito tempo na frente do computador, só consegue se sociabilizar dessa forma, e parece não ter opções fora o mundo digital, ela certamente tem um problema.
Tudo bem passar uma tarde chuvosa de sábado navegando na internet e jogando WoW [jogo de RPG online World of Warcraft]. O problema é quando você deixa de ir a todas as festas a que foi convidado no mês para fazer isso.
VOL: O que o internauta pode fazer para “se curar” nesses casos?
AV: Uma boa forma de ter uma relação mais saudável com a internet é usá-la a partir de objetivos. Para ler notícias de tal portal, mandar tais e-mails, e acabou. Quando os objetivos forem cumpridos, ir fazer outra coisa, como ler um livro, praticar um esporte, sair pra bater papo presencialmente com amigos e outros comportamentos recompensantes, especialmente sociais.
A internet dá uma falsa impressão de sociabilidade. Na verdade, as companhias virtuais têm o efeito de ressaltar nossa solidão. A não ser que elas possam render companhias e relações sociais concretas, de pouco nos adiantam.
VOL: Há algum perfil de usuário com tendência a ficar "escravo" das novas tecnologias, sobretudo pela internet, ao ponto de prejudicar suas obrigações de rotina?
AV: Diria que jovens ávidos por novidades, que têm muito tempo livre e buscam entretenimento. O adolescente brasileiro passa muitas horas inúteis na internet porque não tem o hábito, como o adolescente coreano, de estudos extras, ou o adolescente alemão, de ir fazer um curso de música, e por aí vai.
VOL: Você acha que os jovens internautas estão ficando anti-sociais?
AV: Estão desenvolvendo uma forma diferente de sociabilidade. Há pontos fortes e fracos. Um forte: alcance global (ter amigos na Índia, China, EUA). Fantástico. Ponto fraco: superficialidade (você de fato os conhece?)
VOL: Ao contrário da pergunta anterior, algumas pesquisas afirmam que a internet favorece uma aproximação mais íntima nos relacionamentos. Isso seria bom para a timidez?
AV: Na Idade Média os casais passavam anos namorando por cartas sem se conhecer. Levava vantagem quem sabia escrever bem e atiçar a imaginação. Ou seja, um tímido pode tirar vantagem sim, mas duvido que isso o torne menos tímido num contexto presencial de interação.
Esse cenário pode se repetir no mundo digital – ainda mais com o fenômeno comum dos "fakes", profiles falsos com fotos fantasiosas e informações por vezes muito irreais.
VOL: Pode-se dizer que o uso da internet muda a personalidade também na vida real?
AV: A internet é comunicação, portanto aprendizado. Você pode aprender coisas e isso te mudar. Mas o que se aprende na internet quase sempre é do âmbito intelectual ou puro entretenimento.
O que muda as pessoas é ter experiências concretas de vida. Dizendo de outra forma: vivências com outras pessoas. E isso a internet promove sim, mas não de forma tão marcante quanto namorar de verdade, ter amigos que você abraça regularmente, passar horas num bar de papo pro ar com amigos etc.